- Sempre andei de elevador. Nada mais normal para alguém que nasceu numa cidade onde as pessoas, por engenharia e necessidade, têm que subir umas sobre as outras para alcançar o seu lugar ao sol.
Na verdade não tem nada errado com os elevadores, nem com as pessoas subindo umas sobre as outras. Não, nada disso! O problema é a LEI.
Com certeza vcs todos já viram aquelas plaquinhas que ficam ao lado do elevador com o imperativo categórico de: verificar se o mesmo encontra-se parado no andar.
O mesmo.
Mas que mesmo? Quem é esse tal?
Já pensei muito sobre o assunto, inclusive como faria para reconhecê-lo, dado que a lei não fornece tais critérios de identificação.
Daí me veio uma idéia preocupante: se o estado obrigou a colocar essas plaquinhas em todos os elevadores do mundo – para verificar se o mesmo estava lá ou não, então esse sujeito deve ser realmente muito perigoso. Tão perigoso, e mal por natureza, que dar sua descrição causaria o pânico na população ante a mera possibilidade da sua presença.
Mas é claro que isso é absurdo!
Então me veio um entendimento mais sutil, mas não menos aterrorizante: e se o mesmo, como entidade, pudesse assumir diferentes formas, de modo a ser impossível reconhece-lo? E se o mesmo fosse qualquer desconhecido, parado ao seu lado, esperando pra subir? E mais: em qualquer outro lugar que fosse estivesse lá ele de novo, travestido de outro desconhecido, mas sempre o mesmo?
Confesso que me satisfiz com essa explicação.
No começo é um pouco difícil dizer quem é o mesmo e quem são as pessoas normais. Ainda mais quando existe mais de um estranho. Nesses casos a outra pessoa normalmente está em concluio com o mesmo – mas é impossível dizer ao certo...
A verdade é que ele não é mau por natureza – como achava. Quase nunca se manifesta e tem o estranho hábito de ficar olhando os sapatos – o dele ou os meus. Muitas vezes é gentil, outras perfumado. Gosto particularmente quando assume forma de loiras siliconadas e tal.
É claro que eu não fico dando bandeira que eu sei que ele é o mesmo pq, apesar de parecer simpático, não sei das suas reais intenções, ainda mais pq nunca conversamos muito e, naturalmente, uma conversa entre o mesmo de um jeito e o mesmo disfarçado de outro tendem a ser desconexas – acho que propositalmente.
Então, pode-se dizer que sigo fielmente a lei, pois sempre verifico se o mesmo encontra-se parado no andar, mas isso não a exime da sua deficiência. Quero dizer: Tá! Verifiquei que o mesmo ali está. Inclusive, muitas das vezes, pegou o elevador comigo. Mas e aí? Que eu faço depois? É como se botassem uma placa do tipo: “admirem este jardim”. Ahã (concordância)...
Ah! Cansei de tentar entender as leis dos homens. Pelo menos, hoje em dia, tenho o consolo de ser sempre surpreendido pela aparição do mesmo que agora ,compartilhando eu do seu segredo, tornou-se um velho conhecido.
Alguém tão versátil e plural é sempre uma companhia estimulante - mesmo que me trate da mesma forma que qualquer outro.